Postado por Felipe Pinheiro
Em 1869, em uma palestra para a Royal Geological Society, em Londres, Thomas Henry Huxley, um dos mais importantes anatomistas ingleses da época, defendeu formalmente, a hipótese de que a origem das aves estava ligada intimamente aos dinossauros terópodes.
Naquela época, o conhecimento sobre dinossauros, de forma geral, ainda era incipiente (o primeiro dinossauro descrito formalmente data de 1824). Para sua teoria, Huxley baseou-se, primariamente, na osteologia de Megalosaurus. Segundo o anatomista, era possível reconhecer mais de 30 similaridades entre o esqueleto deste grande dinossauro carnívoro e os das atuais aves.
Edward Drinker Cope
Estas idéis, no entanto, são um pouco mais antigas. Já em 1864, Karl Gegenbaur, embriologista e anatomista de vertebrados, analisando a estrutura do calcanhar do pequeno dinossauro Compsognathus, propôs que este terópode teria sido uma forma intermediária entre as aves e os demais répteis. Edward Drinker Cope também já havia feito comparações entre terópodes e aves, evidenciando uma estreita relação entre Megalosaurus e avestruzes.
Como é comum quando hipóteses científicas revolucionárias são apresentadas, estas idéias não foram bem aceitas pelos acadêmicos. Várias teorias sobre a origem das aves já haviam sido propostas. No começo do século XIX, Jean Baptiste Lamarck propôs que as primeiras aves teriam surgido a partir de espécies de tartarugas (o botânico se utilizou do bico córneo comum a estes dois grupos de animais como parâmetro anatômico). Após a publicação de A Origem das Espécies, possíveis grupos precussores das aves variaram de pterossauros a diferentes grupos de arcossauromorfos basais. Alguns cientístas chegaram a propor uma origem polifilética para estes animais – vários grupos diferentes teriam evoluido e resultado na imensa variedade atual.
Na mesma reunião da Sociedade Geológica Real onde Huxley defendeu suas idéias, o paleontólogo Harry Seeley questionou que as similaridades entre Megalosaurus e aves poderiam ser fruto de convergência evolutiva. As características anatômicas comuns poderiam ter sido originadas a partir de adaptações ao hábito bípede.
No começo do século XX, a hipótese terópode perde terreno devido à descoberta do arcossauromorfo Eupakeria capensis. O paleontólogo Robert Broom, autor da descoberta, defendeu que os dinossauros terópodes seriam muito especializados para terem dado origem às aves. Dessa forma, estas, assim como os próprios terópodes, deveriam ter evoluido a partir de formas arcossauromorfas bípedes, similares ao Eupakeria.
Um dos principais argumentos dos críticos da hipótese terópode baseava-se na chamada Lei da irreversibilidade, segundo a qual uma estrutura anatômica, após ter sido perdida no decorrer da história evolutiva, não poderia nunca surgir novamente. Esta lei, que hoje sabemos não fazer muito sentido, era aplicada à uma das estruturas anatômicas mais característica das aves – a fúrcula (conhecida popularmente como “ossinho da sorte”). Esta estrutura é derivada da fusão das clavículas. O problema é que, até aquela época, a presença de clavículas não havia sido observada e nenhuma das espécies conhecidas de dinossauros. Dessa forma, de acordo com a lei da Irreversibilidade, as aves nunca poderiam ter sua origem vinculada a animais sem clavículas. No entanto, clavículas em dinossauros já eram conhecidas. Infelizmente, estas estruturas eram constantemente confundidas com outros elementos esqueletais, como aconteceu na descrição de Oviraptor – um terópode pertencente a uma linhagem bem próxima à das aves.
No começo dos anos 1960, John Ostrom, paleontólogo da universidade de Yale, vasculhando antigas coleções remanescentes das espedições paleontológicas de Barnum Brown, encontrou os restos de uma espécie de dinossauro ainda desconhecida para a Ciência. O paleontólogo batizou o novo animal de Deinonychus antirhopus. Este terópode de médio porte tornou-se, instantaneamente, um marco na história da Paleontologia de Vertebrados – após sua descoberta, a imagem de dinossauros como bestas lentas e estúpidas foi abandonada, dando lugar à ideia de animais ágeis, possivelmente de sangue quente, como é mostrado no filme Jurassic Park.
O estudo de Deinonychus marcou, também, o ressurgimento da hipótese terópode: o animal possuia, inquestionavelmente, inúmeras semelhanças anatômicas com Archaeopteryx, considerado, naquela época, a ave mais primitiva. Pouco tempo depois, o argumento da ausência de clavículas em dinossauros cái por terra – esta estrutura passa a ser reportada em inúmeros dinossauros, incluindo Allosaurus, Tyrannosaurus, oviraptorídeos, therizinosaurídeos, troodontídeos e dromaeossaurídeos.
O oviraptorídeo Citipati encubando seus ovos
Evidências adicionais corroborando a hipótese terópode logo vieram à tona. Uma das mais interessantes é a comprovação de hábitos de nidificação e incubação de ovos tipicamente avianos em oviraptorídeos. A microestrutura da casca dos ovos destes animais se assemelhava muito mais à condição presente em aves atuais do que àquela presente em crocodilos, por exemplo. Além disso, é conhecida a ocorrência de esqueletos deste tipo de dinossauro em postura de choco – os animais foram soterrados enquanto incubavam seus ovos.
Sinosauropteryx
No entanto, a evidência mais conclusiva quanto à origem dinossauriana das aves foi descoberta apenas em 1996, quando fazendeiros chineses desenterraram o esqueleto de um pequeno dinossauro terópode, batizado pelos pesquisadores de Sinosauropteryx prima. As características anatômicas deste animal permitiram-no ser classificado como um parente próximo de Compsognathus. O que chamou, porém, mais atenção foi a preservação, ao longo do dorso do animal, de uma cobertura plumulácea, formada por pequenos filamentos ramificados e com base oca, algo muito próximo do que era esperado para a estrutura das primeiras penas.
Após Sinosauropteryx, uma overdose de pequenos terópodes com penas, provenientes de rochas sedimentares chinesas, encheu as páginas dos mais importantes periódicos científicos. Alguns deles, diferentemente de Sinosauropteryx, já apresentavam penas extremamente bem desenvolvidas, algumas delas muito semelhantes às chamadas penas de voo das aves modernas (estruturas assimétricas e com vexilos fechados, podendo funcionar como um aerofólio). Como exemplos destes dinossauros, podemos citar Caudipteryx, Protarchaeopterys, Beipiaosaurus e Sinornithosaurus.
Em 2003, quando a comunidade científica já está acostumada com a idéia de dinossauros emplumados, mais um animal merece destaque na capa da revista britânica Nature. O dinossauro, batizado de Microraptor gui, possui penas de voo bem desenvolvidas tanto nos membros dianteiros quanto ao longo de toda a extensão dos membros traseiros! Essa característica peculiar faz com que o animal receba o apelido de “dinossauro de quatro asas”. Microraptor é interpretado como sendo um planador arborícola.
holótipo de Microraptor gui
Pouco tempo depois, a descrição de exemplares mais completos de Pedopenna, um animal posicionado filogeneticamente mais próximo das aves do que dos demais dinossauros, revela que este, também, possuia penas de voo bem desenvolvidas nos membros posteriores. A posterior descrição, em 2009, de Anchiornis, um troodontídeo basal, também com penas nos membros posteriores, nos revelou um interessante cenário: a presença de “quatro asas” em um troodontídeo basal, um compsognathídeo basal e uma ave basal sugere que esta seja uma característica primitiva, presente no ancestral comum mais recente destes três táxons. Desta forma, a condição “quatro asas” teria sido um importante estágio evolutivo na origem do voo das aves modernas.
Cladograma mostrando o posicionamento filogenético de Anchiornis, Microraptor e Pedopenna. Retirado de Witmer (2009).
Raros são os cientístas que, hoje, ainda adotam posições contrárias à hipótese terópode. A origem das aves dentro de Dinosauria é, segundo as palavras do paleontólogo Luis Chiappe, tão sólida cientificamente quanto a origem dos humanos dentro dos primatas.