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Posts Tagged ‘cefalocordados’

Postado por: Felipe Pinheiro

A origem dos vertebrados continua sendo amplamente debatida no meio científico. Apesar do grupo ser consensualmente monofilético e sustentado por características bem definidas, seu posicionamento dentro dos deuterostomados continua incerto. Os vertebrados fazem parte de um grupo maior, o dos cordados, cuja monofilia é praticamente unânime entre os cientistas (embora, como veremos a seguir, esteja sendo questionada mais recentemente). As características que unem os cordados são, principalmente: presença da notocorda, um bastão fibroso flexível, que dá sustentação ao corpo do animal; tubo nervoso dorsal; fendas faringeais; presença de um órgão chamado endóstilo (forma a hipófise nos vertebrados) e presença de uma cauda pós anal, utilizada primitivamente para o deslocamento.

Os deuterostomados, grupo a qual nós, vertebrados, pertencemos, é formado por organismos que tem em comum entre si o fato de que, em seu desenvolvimento embrionário, o blastóporo (abertura que surge em uma das fases do desenvolvimento) origina o ânus. Nos demais animais, esta abertura dará origem, primitivamente, à boca. Além dos vertebrados, são deuterostomados os equinodermos (estrelas, ouriços e pepinos do mar), os tunicados (ascídias), os cefalocordados (anfioxos), outros grupos viventes menos conhecidos e alguns grupos fósseis de posicionamento incerto. As afinidades entre os deuterostomados são motivo de controvérsia, com várias diferentes filogenias propostas (baseadas tanto em dados morfológicos quanto moleculares):

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Principais filogenias propostas para deuterostomados. Figura retirada de Benton (2005).

Observe que, na figura acima, dois dos três cladogramas apresentados agrupam os cefalocordados junto aos vertebrados (Euchordata). A adoção de Cephalochordata como grupo-irmão de Vertebrata é a concepção clássica (presente em praticamente todos os livros-textos de biologia). Ela se fundamenta principalmente no fato de que estes dois grupos compartilham entre si a presença de somitos, uma musculatura segmentada em pequenas porções em forma de V. O cladograma “b” agrupa os vertebrados e os tunicados em um clado chamado Olfactoria. Este clado estaria baseado no compartilhamento entre estes dois grupos, de áreas olfatórias especializadas na cavidade bucal. No entanto, esta proposta era, até recentemente, rejeitada pela maior parte dos pesquisadores.

Em 2006, no entanto, um artigo publicado na revista Nature colocou nossas concepções sobre a origem dos vertebrados em xeque: uma análise filogenética molecular baseada em uma amostragem de 146 genes nucleares de diversos animais protostômios e deuterostômios resultou em um cladograma em que os tunicados formariam o grupo-irmão dos vertebrados. Ou seja, a hipótese dos Olfactórios volta à tona. Neste cladograma, também ao contrário do que seria de se esperar pelo senso comum, os cefalocordados formam um clado junto aos equinodermados (Delsuc et al., 2006):

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Apesar de o agrupamento dos cefalocordados com os equinodermados, segundo o artigo, ter apenas um grau moderado de confiabilidade, ele refutaria a monofilia de Chordata.

Este estudo sugere que caracteres como os miômeros surgiram, na verdade, precocemente na linhagem evolutiva dos deuterostomados, sendo perdidos posteriormente nos tunicados (e, caso a hipótese da monofilia do clado Echinodermata+Cephalochordata seja válida, também nos equinodermados).

Essa nova visão sobre as relações entre os deuterostomados nos leva a refletir sobre um grande problema na concepção geral da Evolução: a idéia errônea de que um grupo, por possuir maior grau de complexidade, deve ser considerado mais derivado. O próprio nome do táxon Euchordata (“cordados verdadeiros”) é reflexo de uma idéia preconceituosa: aqueles cordados mais complexos são agrupados junto aos vertebrados, constituindo os verdadeiros cordados. Os tunicados, segundo os autores, não devem ser considerados “primitivos” e sim um grupo derivado de cordados com estilos de vida extremamente especializados.

Em posts futuros, comentaremos mais sobre as teorias atuais sobre a origem dos vertebrados.

Referências:

Benton, M. J. 2005. Vertebrate Paleontology. 3rd ed. Oxford: Blackwell.

Desluc, F.; Brinkmann, H.; Chourrout, D. & Philippe, H. 2006. Tunicates and not cephalochordates are the closest living relatives of vertebrates. Nature, 439(23), p. 965-968.

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